A Associação Norte Americana de Psicologia estima que 80% dos homens nos Estados Unidos sofrem emocionalmente pela dificuldade em identificar e expressar os próprios sentimentos. Esse índice se dá por algumas frases míticas que reproduzimos desde o descobrimento de que o feto em gestação é menino: “meninos não choram”; “homem briga mesmo”; “futebol e roupa azul é coisa de menino”; “homem não é fresco”; “homem é assim mesmo”, e tantas outras.
Não ser fraco. Não chorar. Ser homem. O “ser homem” é não ter qualquer comportamento relacionado ao “feminino”. Essa definição do que é ser homem, foi sendo construída e cristalizada por uma estrutura patriarcalista, e hoje é chamada de masculinidade tóxica. É importante destacar que esse termo é uma crítica aos comportamentos masculinos que são destrutivos para eles mesmos, de modo interno e externo, associados à um entendimento de que o masculino é superior ao feminino.
A noção de masculinidade tóxica valoriza, desde a infância da criança, características como dominância, controle e poder, desprezando aspectos como vulnerabilidade, empatia e consciência emocional. Essas últimas, são associadas às mulheres. Essas características denominadas às pessoas de acordo com seu gênero, desde a infância, desenvolvem seres humanos violentos em seus relacionamentos afetivos, pois reproduzem os comportamentos dignos de seu gênero.
A masculinidade tóxica, quando já perpetuada, é uma descrição repressiva da masculinidade, na qual seu ideal representa a força máxima e a vulnerabilidade emocional mínima. Seus efeitos mais graves incluem: encorajamento de comportamentos violentos, falta de incentivo em buscar ajuda, perpetuação do encorajamento ao estupro, LGBTfobia, misoginia e racismo.
De acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), os homens morrem dez vezes mais do que as mulheres. Ainda, segundo o Mapa da Violência Flasco Brasil, os homens se suicidam quase quatro vezes mais do que as mulheres. Por fim, são os homens que mais matam as mulheres. De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), o Brasil tem a 5ª maior taxa de feminicídio do mundo, crime praticado contra a mulher por pertencer ao gênero feminino.
O documentário em exibição pela Netflix, “The mask you live in” ou “A máscara que você vive”, dirigido pela norte-americana Jennifer Siebel Newsom, aborda a masculinidade tóxica por um viés da construção do papel social do homem e pode possibilitar um debate sobre o comportamento masculino cristalizado. Desde cedo os meninos recebem mensagens dos meios de comunicação e de seus grupos sociais, para resolverem discussões por meio da violência, objetificar mulheres e se afastarem de qualquer sentimento de vulnerabilidade. Isso significa que os meninos têm muito mais possibilidades de adoecerem psicologicamente e de apresentarem comportamentos de risco.
Debater sobre a masculinidade tóxica é refletir sobre a saúde mental e o desenvolvimentos saudável de seres que nos cercam. Não é um assunto que limita-se ao movimento feminista ou aos homens. É uma reflexão que precisa ser feita por todas as pessoas: quem pensa em ter filhos, quem está no período de gestação, que possui filhos na escola; e quem tem acesso à esse debate deve passa-lo adiante, questionando comportamentos violentos dos meninos e demonstrando que existe um outro caminho de expressão.
A limitação na infância de brincadeiras de meninos ou de meninas contribui para a perpetuação da masculinidade tóxica, e logo, para o adoecimento masculino. Proponha brincadeiras que possam ser saudáveis à crianças sem divisão por gênero, incentive seu filho ou seus amigos a expressarem seus sentimentos, mesmo que isso signifique expor uma vulnerabilidade emocional. Precisamos falar sobre assuntos sensíveis para que sejam ressignificados e não impeçam nosso desenvolvimento emocional saudável. E lembre-se: gênero não define o adoecimento nem a expressão emocional.
* Ana Claudia Delajustine, Psicóloga (CRP 07/24543) e Mestranda em Direitos Humanos/UNIJUÍ